C om a idade que tenho já vi quase toda a história das mesas de voto na nossa democracia. No início, colaborar em qualquer função da mesa de escrutínio não era pago, fazia-se por carolice, consumindo um dia das nossas vidas dedicando-a à democracia, na altura um valor estimado e que levou muitas décadas arredado de nós.
Depois, o Estado achou que deveria compensar as pessoas com um valor pelo dia de trabalho. Conforme as pessoas foram tomando conhecimento, começou a competição para ir para as mesas, gente que nunca tinha estado. Estavam no seu direito mas cheirava a comerciantes.
Com o extremar das guerras políticas, os partidos cada vez mais designavam os seus militantes para vigiar uma hipotética golpada tornando-os membros da mesa. Aos poucos e poucos, os carolas prontos para qualquer hora desapareceram, os partidos passaram a entregar listas às câmaras municipais.
Passado algum tempo, comecei a ouvir pessoas, com chamadas cativas a cada eleição, a se fazerem de finas para as eleições com potencial de dar confusão nas mesas e que, mesmo não havendo nada de anormal, poderiam ter que responder em Tribunal. Ou seja, os comerciantes começaram a escolher só as melhores eleições de "trigo limpo, farinha amparo", até parecem os ambulantes predadores das festas ou as barraquinhas de fim de ano.
Hoje ouvi o senhor Presidente da Câmara da Ribeira Brava a se lamentar de muitas desistências para as mesas de voto, apesar de ser uma eleição pacífica, a Presidência da República. O motivo é a exposição ao Covid-19, já nem o dinheiro compensa.
Quis o destino, e isto tem piada, que alguém se lembrasse de mim, porque nalgum tempo fazia parte das mesas. Disse para com os meus botões: - o que eles se lembram, ao fim de tanto tempo, quando estão enrascados ... quanta maldade houve e quanta lata há.
Quem roeu a carne que roa os ossos, agora, para todos os efeitos, sou um individuo dos grupos de risco ... desiludido com a democracia.