De Olhos Bem Fechados


E ra já noite escura, quando uma limusine de cor negra movimentava-se furtivamente no asfalto esburacado das ruas desertas da cidade do Funchal. Sentado no banco de trás um passageiro misterioso observava pela janela entreaberta quatro sem-abrigo deitados nos bancos da Praça do Povo, cobertos pelo papel das noticias que esvoaçava com a brisa salgada que trazia o cheiro do sargaço misturado com o óleo dos navios de cruzeiro. 

A um canto, dois toxicodependentes lutavam por uma dose de Bloom, enquanto na outra esquina dois indigentes agrediam um jovem turista em troca de um euro. Estávamos na cidade mais cosmopolita do Atlântico, onde o crime e a violência faziam já parte do quotidiano.

A limusine abrandou junto ao teleférico, onde duas prostitutas beijavam-se, enquanto olhavam para o carro. Depois de uns segundos, uma delas disse qualquer coisa ao ouvido da outra, esboçou um sorriso, levantou-se, puxou a saia de napa negra para baixo escondendo as ligas negras e dirigiu-se para a viatura. Parou junto à janela, mordeu o lábio inferior, debruçou-se, colocou  umas cuequinhas nas mãos do passageiro e sussurrou “Então querido, como vai ser?”. 

O perfume Carolina Herrera inebriante da loura misturava-se com o cheiro nauseabundo da ETAR, entrando pela janela da limusine. O misterioso passageiro abriu a porta e perguntou com uma voz grossa e rouca “as meninas querem ir a uma festa?”. Trocaram as duas um olhar cúmplice, esboçaram um risinho e entraram para o banco de trás roçando lentamente as ancas no colo do passageiro. 

O passageiro sorriu, suspirou e pediu ao motorista que lhe fechasse a janela detrás. O vidro subiu e a limusina arrancou em silêncio. O motorista ligou o rádio nos 88.8 da Radio JM onde se ouvia “Não és homem para mim” da cantora Romana.

No interior, o ambiente era de luxuria, sexo e suspiros. Enquanto a loura introduzia a língua na orelha do passageiro, a outra abria-lhe a camisa passando as mãos pelo peito molhado e peludo, permitindo que este lhe afagasse os seios pela camisa entreaberta.

Uns minutos depois a limusine parou. O misterioso passageiro vestiu uma capa preta, colocou uma máscara dourada na cara, abriu a porta e saiu abraçado às duas beldades semidespidas.

Lá fora uma multidão vestida com capas negras e máscaras brancas gritava “PSD! PSD! PSD!” e sem perder tempo entraram todos no Centro de Congressos da Madeira para mais uma inesquecível orgia.

PS: É desta vez que sou constituída arguida por atentado ao pudor!