Supermercados


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Como os supermercados ganham muitos milhões 

Revista Sábado link original (prefira ler no original)
Ana Taborda , Bruno Faria Lopes30 de novembro

A inflação mais alta dos últimos 30 anos não travou os lucros dos maiores supermercados em Portugal. O segredo não está apenas em vender muito, mas também na relação de poder com os fornecedores e na negociação de contratos. Já cercado por um megaprocesso da Autoridade da Concorrência, o setor arrisca agora pagar mais impostos.

H á uns anos, no máximo 10, era normal entrar na sede de uma cadeia de supermercados para uma reunião e ter que deixar o telemóvel guardado num cofre. Depois, podiam seguir-se duas ou três horas de espera, por vezes em salas pequenas onde a temperatura ultrapassava os 30 graus. Quando finalmente os fornecedores reuniam com os responsáveis da grande distribuição saíam muitas vezes com pens na mão - só assim uma parte da informação circulava, conta uma fonte do setor à SÁBADO.

Hoje já não há esperas em salas quentes e muitas das cláusulas impostas naquela altura foram entretanto consideradas abusivas pelo legislador. "As coisas não estão tão más como há 10 anos", admite um gestor com relações próximas com o setor. Mas o mesmo especialista - tal como os restantes fornecedores que falaram com a SÁBADO sob anonimato, por causa do receio de represálias - nota que continua a existir uma relação muito desigual entre os fornecedores e as grandes empresas, que lucram milhões - em particular (mas não só) com a cadeia Pingo Doce, da Jerónimo Martins, e Modelo Continente, da Sonae, que juntas valem metade do mercado.

Estes lucros, e o passado recente de práticas anticoncorrenciais, estão a pôr o negócio dos supermercados de novo na ribalta mediática e política. O Governo está implicitamente a acusar o setor de lucrar com a inflação mais alta em 30 anos, justificando assim um novo imposto sobre lucros extraordinários no setor. E a Autoridade da Concorrência, o regulador público, está perto de concluir o maior processo de sempre em Portugal na área da concorrência, que já está a ser batalhado em tribunal.

Nos primeiros nove meses do ano, numa altura em que os consumidores estão a suportar uma inflação de 15% nos supermercados e em que os fornecedores se queixam de estar a comprimir muito as suas margens, os supermercados estão a conseguir manter a rentabilidade - ou, pelo menos, a mitigar muito a perda.

As duas empresas cotadas portuguesas, as maiores e que têm informação pública, são um exemplo: os lucros operacionais (os que melhor contam o que se passa nas lojas, antes de custos financeiros e impostos) do negócio da distribuição da Jerónimo Martins em Portugal subiram 12,6% para 241 milhões de euros nos primeiros dois terços do ano, com a margem (quase 6%) a manter-se. Na Sonae, a margem diminuiu ligeiramente, mas os lucros operacionais aumentaram mais de 4%, para 400 milhões de euros. Lidl, Auchan e Intermarché, que compõem o top 5 do setor, não responderam à SÁBADO sobre lucros e margens.

Como é que os grandes distribuidores conseguem defender as suas margens e lucros no meio de uma subida abrupta dos custos de produção e da inflação? Os volumes grandes de vendas são a parte visível do segredo - quase todos fazemos compras nos supermercados -, mas a relação assimétrica de poder com os fornecedores é outra parte, menos visível.

Pedro Soares dos Santos, que lidera a Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce, queixa-se de "punição" por parte do Governo.

A febre das promoções

Agora, como na crise de 2012, são os fornecedores a pagar os produtos que os clientes roubam ou estragam nos corredores de supermercados. E, se neste caso falamos de uma poupança residual, há outras formas de ganhar mais dinheiro - uma delas está nas promoções. De acordo com dados da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), mais de 50% das vendas de supermercados são feitas em promoção, uma das peculiaridades do mercado português. Quem as decide? As próprias cadeias.

Num contrato que a SÁBADO leu, as promoções são apresentadas como uma forma de potenciar a divulgação dos produtos do fornecedor. Isto pode passar por colocá-los em folhetos promocionais, em locais mais visíveis das prateleiras (topos, por exemplo) ou em feiras de produtos. O momento e a duração destas campanhas é decidido pela cadeia de distribuição. "Imagine que o fornecedor só quer fazer 10 promoções por ano: não pode", explica um dos gestores de produto com quem a SÁBADO falou.

De acordo com a legislação atual, as promoções devem ter o acordo explícito dos fornecedores, mas recusá-las pode significar perder o cliente. Foi o que aconteceu a uma empresa de bebidas com a qual a SÁBADO falou. "Propuseram comprar-me toda a produção e fazer uma ação de 70% sobre o preço de venda recomendado que eu tinha avançado. Ia perder dinheiro e recusei", explica o produtor à SÁBADO. "Pode interessar para grandes volumes, mas no meu caso não era vantajoso", explica, acrescentando que, pelo menos para já, não está a produzir para supermercados.

As promoções são, também, em vários casos tendencialmente pagas pelos fornecedores. "Se um produto tem uma margem bruta para o supermercado de 45%, tem de continuar a oferecê-la quando está em promoção", explica um gestor de uma empresa de alimentos embalados. O acerto pode ser feito à cabeça - se o fornecedor aceitar fazer um preço que inclua uma margem mais alta de onde o supermercado desconta uma parte para as promoções - ou a posteriori, mediante a emissão de uma nota de débito.

Num contexto de inflação, as promoções são formas de segurar os clientes e de conseguir, também, que a poupança gerada seja gasta em compras que tragam maiores margens de lucro. Outra forma de atrair clientes e de fazê-los poupar está nas marcas próprias, mais baratas do que as dos fabricantes. Entre meados do ano passado e deste ano as marcas próprias dos supermercados ganharam três pontos de quota e hoje pesam cerca de 39% nas vendas, segundo dados da consultora Nielsen.

Cadeias como o Lidl, que tem mais de 77% da oferta em marcas próprias, e a Mercadona, com 85%, estão a ganhar quota de mercado e a pressionar os líderes Continente e Pingo Doce a não subir tanto os preços dos produtos de marca própria, onde têm menos margem. "Há cadeias de distribuição que praticamente não fizeram aumentos nas marcas próprias. Fazem contenção aí e vão buscar dinheiro ao outro lado, numa subsidiação cruzada", diz à SÁBADO uma fonte do setor. Isto tem influência na negociação das margens.

As margens brutas dos supermercados - aquilo que põem em cima do preço a que compraram ao fornecedor - dependem do tipo de produto e do peso do fornecedor. As fontes ouvidas pela SÁBADO apontam valores idênticos: 20% a 25% nos vinhos, 40% a 45% nos produtos embalados e "bem acima disso nos frescos", indica um gestor. O diretor de uma empresa de alimentos frescos fala de margens brutas de 60% - se ele vender o produto a 2 euros, por exemplo, o supermercado vende a 3,20 euros. Nos frescos - fruta, legumes, laticínios - o desperdício é maior e é descontado à margem bruta, de onde saem também todos os custos operacionais e administrativos dos supermercados (energia, salários, logística, etc.). No fim, as margens exibidas pelas grandes cadeias andam entre 6% e 9%.

Batalha pelos aumentos

Em tempo de aumento forte dos custos de produção, a grande luta dos fornecedores é para aumentar os preços. Nos alimentos frescos como frutas e legumes - cujos preços têm aumentado a dois dígitos nas lojas - os produtores queixam-se de uma má repartição dos aumentos dos preços nas prateleiras. "A maioria dos produtores estão a vender a preços equivalentes e, nalgumas situações, mais baixos do que no ano passado - alguns estão a absorver perdas grandes", afirma Gonçalo Santos Andrade, que dirige a Portugal Fresh, uma associação de promoção de fruta, legumes e flores.

Um produtor de alimentos frescos explica que a maior parte do aumento do preço dos seus produtos ficou com o distribuidor, o que atribui à tentativa das grandes cadeias de compensar a margem perdida com outros impactos, como a mudança do consumo para bens mais baratos ou o acréscimo de custos como a energia. Gonçalo Santos Andrade parece concordar. "Os supermercados estão a conseguir incorporar mais os custos do que nós. Há espaço para remunerar melhor [produtores] sem aumentar mais o preço ao consumidor final, de haver melhor distribuição de valor pela cadeia agroalimentar", diz. O risco de falências é algo que o preocupa - entre os setores mais preocupantes estão a maçã e a pera-rocha, cuja produção foi prejudicada pela seca.

Cláudia Azevedo lidera a Sonae, dona da cadeia Modelo Continente, que tem mais de um quarto da quota de mercado.

Outro exemplo é o leite. "Durante os primeiros seis meses do ano diziam que tínhamos razão, mas os preços não subiam. Os agricultores foram abatendo animais e fechando algumas vacarias e começou a haver falta de leite no mercado ibérico", explica uma fonte do setor. "Quando isso aconteceu, os produtores espanhóis vieram cá comprar leite e a distribuição foi obrigada a subir os preços. O preço ao agricultor subiu bastante em setembro", acrescenta.

As experiências não são todas iguais. José Palha, que lidera a ANPOC, uma associação de produtores de cereais e oleaginosas, explica que não teve problemas em negociar com o Continente aumentos para o pão da marca Cereais do Alentejo, um dos membros do clube de produtores daquela cadeia.

Os distribuidores negam que estejam a apropriar-se dos aumentos e posicionam-se como uma barreira que protege os clientes. "O Pingo Doce procura reduzir ao mínimo possível os aumentos para os clientes", diz fonte oficial. "Em alguns casos, a companhia absorve, inclusive, a totalidade desses aumentos", junta. "Temos monitorizado de perto os desenvolvimentos em ter mos de custos [de produção] e procuramos atuar por forma a absorvermos grande parte desse impacto", responde fonte oficial do Minipreço. O Continente responde, por sua vez, que conseguiu aumentar a eficiência conseguindo "assim absorver uma parte da inflação de custos nos preços que pagamos aos fornecedores, contribuindo para apoiar as famílias".

O tamanho conta (muito)

O problema negocial, defende Gonçalo Santos Andrade e Domingos dos Santos, presidente da Direção da FNOP (Federação Nacional das Organizações de Produtores de Frutas e Hortícolas) é haver uma percentagem baixa de organizações de produtores. Gonçalo Santos Andrade fala em 25%, Domingos dos Santos em 20%, ainda assim sempre muito abaixo da média europeia, que ronda os 50%. "Precisamos de concentrar oferta para conseguir ter maior poder negocial", acrescenta Gonçalo Santos Andrade. "Na Bélgica, mais de 90% passa por organizações de produtores."

Os preços pagos aos fornecedores também estão pouco adaptados ao setor primário, acrescenta o presidente da FNOP. "Em Espanha, em fevereiro de 2020 foi aprovada uma legislação que, nos frescos, proíbe a venda abaixo do custo de produção. Em Portugal é proibido vender abaixo do custo de compra", explica.

A assimetria de poder é citada por vários fornecedores e responsáveis com que a SÁBADO falou, que admitem que continua a haver pressão nas negociações. "Não acontece muito [os distribuidores] deixarem totalmente de fazer encomendas, mas deixam frequentemente de encomendar determinados produtos, ou reduzem as compras em 40%, sem qualquer comunicação prévia", explica uma fonte do setor, que acusa a distribuição de usar essas estratégias como arma de pressão negocial, nomeadamente como forma de os fornecedores aceitarem condições mais favoráveis a quem lhes compra os produtos.

A cadeia alemã Lidl é a terceira maior em Portugal. Não respondeu à SÁBADO os lucros na operação portuguesa.

Tanto a Jerónimo Martins como a Sonae negam: este tipo de práticas "não faz qualquer sentido no tipo de parceria que o Pingo Doce se orgulha de ter com os seus parceiros estratégicos", diz a dona do Pingo Doce. "A MC não se revê nestas acusações. Ao longo de mais de 37 anos temos vindo a construir sólidas relações de cooperação com os nossos fornecedores", responde fonte oficial da Sonae.

"Com cadeias como o Lidl e a Mercadona, as negociações podem ser duras, mas há efetivamente uma negociação. E quando se assina o contrato, as condições já não mudam", diz outra fonte. Além disso, "os contratos com as cadeias nacionais são, geralmente, de um ano, renováveis automaticamente se não forem negociados", explica a mesma fonte. "A Mercadona, por outro lado, está a fazer contratos de sete anos", diz.

Outro exemplo são as chamadas notas de débito, que apesar de serem menos comuns do que no passado, ainda são uma prática do setor, dizem as várias fontes com que a SÁBADO falou. "Uma nota de débito implica, por exemplo, que em 2024 lhe venham cobrar uma coisa que se esqueceram de debitar", conta uma dessas pessoas. Um dos produtores com quem a SÁBADO falou deixou de fornecer uma grande cadeia por ter contestado o valor de uma nota de débito. "Naquele caso não encontrámos correspondência [com o valor cobrado] e reclamámos", explica a mesma fonte.

O diferendo poria fim ao negócio entre as duas partes. "Muitas vezes estes débitos acontecem 8 ou 10 anos depois dos factos." Outro fornecedor ouvido pela SÁBADO reclamou de uma nota de débito de marketing. Depois das conversas - quase todas em reuniões pessoais - acabaria também por deixar de fornecer uma grande cadeia. Pelo menos a Jerónimo Martins, nega esta prática. "O Pingo Doce não tem, nem nunca teve, a prática de cobrar dívidas de fornecedor em tempos desfasados dos acordados entre as partes."

Outra forma de ganhar dinheiro está no prazo de pagamento. Imagine que o habitual é a cadeia de distribuição liquidar o valor das suas compras em 90 dias. "Se quiser receber a 60 dias, por exemplo, tem que fazer um desconto de 1%, 2% ou 3%" no valor que estas cadeias lhe pagam", diz um gestor.

Os preços que dançam juntos

Quem já tiver feito as compras para a ceia de Natal pode ter encontrado coincidências repetidas nos preços. Uma posta de bacalhau graúdo da Islândia comprada no fim de novembro no Pingo Doce custava 12,49 euros por quilo, resultado de uma promoção - o preço original é de 13,99 euros, o mesmo que no Continente. O azeite Oliveira da Serra para regar a posta custa 3,99 euros nas duas cadeias, que fazem um desconto de 20% sobre um preço recomendado de venda igual.

Com o bacalhau cai bem um tinto - um Tons de Duorum ou um Quinta do Cabriz, por exemplo, custam ambos 3,99 euros no Pingo Doce e no Continente (o mesmo para um vinho de gama média, como um Herdade dos Grous: 11,99 euros). Na cerveja, o cenário não difere: um pack de 15 garrafas Sagres minis custa os mesmos 6,99 euros em promoção. A aletria da Milaneza usada para a sobremesa tem também o mesmo preço (1,29 euros com promoção de 25%), assim como o leite (84 cêntimos por um litro da marca Gresso). Jantares podem gerar nódoas - uma embalagem de detergente líquido Skip custa os mesmos 9,99 euros nas duas lojas, com promoção de 50%.

A cadeia Auchan é uma das três multadas em todos os nove processos decididos pela Autoridade da Concorrência.

Estes exemplos, a partir dos folhetos semanais de promoção das duas maiores cadeias de distribuição, ilustram outro aspeto do poder dos supermercados: a capacidade para levarem fornecedores a propor preços de venda idênticos, uma forma de proteger as margens. Os preços nas grandes superfícies não são todos iguais, mas em várias categorias as variações são pequenas ou nulas, mesmo nas promoções (ainda que as cadeias possam ter diferentes promoções numa dada semana).

"Uma manteiga Mimosa ou uma gelatina Royal estão sempre em promoção com o mesmo preço", exemplifica um gestor de produto de um fornecedor. "É difícil ser de outra forma porque, caso contrário, ninguém aceita as subidas de preços propostas pelos fornecedores", explica, numa opinião partilhada por mais cinco profissionais ouvidos pela SÁBADO. Um fornecedor que queira subir os preços precisa da concordância das maiores cadeias de distribuição - basta uma não aceitar para as outras não aceitarem.

Este tipo de desequilíbrio está na origem de violações das leis da concorrência. Em 2017, ao desfiar o novelo de uma denúncia entregue por uma empresa familiar contra a Super Bock, a Autoridade da Concorrência (AdC) abriu uma investigação à concertação ilegal de preços entre fornecedores e cadeias de distribuição, uma prática chamada hub and spoke. O megaprocesso, partido em vários processos mais pequenos, é o maior caso de sempre na área da concorrência e ainda está a correr.

Em nove decisões, a AdC impôs mais de 706 milhões de euros em multas para cadeias de supermercados e grandes fornecedores. Modelo Continente (259,7 milhões de euros em multas), Pingo Doce (198 milhões) e Auchan (56,5 milhões) são as três únicas visadas em todas as decisões e valem 72% das multas. Intermarché, Lidl, E-Lecrerc também estão na lista (ver infografia). Até março do próximo ano surgirá a décima decisão condenatória, num caso com o fornecedor Johnson&Johnson.

O regulador tem-se referido nos comunicados a uma "conspiração equivalente a um cartel", "que elimina a concorrência, privando os consumidores da opção por melhores preços, garantindo níveis de rentabilidade". O fornecedor nestes casos tornou-se o pombo correio de uma combinação, comunicando com todos os supermercados (que não comunicam entre si) para fazer cumprir o alinhamento de preços.

Os casos incidem sobre uma série de produtos de grande consumo, como cervejas, águas, sumos, vinhos, pão de forma e bolos e produtos de higiene pessoal, como cremes e champôs, entre outros. Os fornecedores apanhados incluem alguns dos nomes maiores do seu setor: Super Bock, Sociedade Central de Cervejas, Beiersdorf, Unilever, Sogrape e Bimbo Donuts.

Para sustentar as suas decisões, a AdC contou com um vasto acervo de emails obtidos nas buscas às empresas sobre uma prática que o regulador dá como provada até 2017 nos 10 a 14 anos anteriores (conforme o processo). A AdC não exclui que a concertação ainda se mantenha.

O regulador tem divulgado vários emails. Em 2011, um responsável do Modelo Continente escreveu à sua chefia que a Primedrinks - distribuidora dos vinhos do Esporão, Aveleda e dos whiskies Grant’s, entre outros - "veio solicitar o alinhamento" dos preços. A chefia respondeu que "desta vez só depois de o PDoce [Pingo Doce] subir". Um gestor explica então: "O [Pingo Doce] apenas terá em consideração o alinhamento de mercado se nós, o maior operador, o fizermos."

Margarida Matos Rosa lidera a Autoridade da Concorrência, que passou mais de 700 milhões em multas aos supermercados. 

Todas as empresas, representadas por firmas de advocacia de topo, recorreram das multas para o Tribunal da Concorrência e Regulação de Santarém. O primeiro julgamento, do processo da Sociedade Central de Cervejas e da Primedrinks, começou em outubro passado e é visto por todos como um precedente importante. As empresas multadas já negaram publicamente que tenham feito alguma coisa de errado. "Não é verdade que os emails divulgados demonstrem a prática indicada e muito menos a intervenção do Pingo Doce nesta matéria", respondeu fonte oficial do Pingo Doce à SÁBADO em abril deste ano. A Sonae "rejeita a acusação de envolvimento da sua participada em qualquer acordo ou concertação de preços".

Outra forma de proteger os resultados é domar os custos. Na fatura salarial, uma das maiores, uma fonte imediata de contenção está no facto de, em 2022, os salários não refletirem ainda (neste e noutros setores) o aumento da inflação. Depois, há as queixas sobre a política de remuneração. O que se tem generalizado, diz Filipa Costa, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), são as horas extraordinárias não remuneradas. "Na altura da pandemia, algumas cadeias fizeram, por referendo, o chamado banco de horas. Todas as pessoas podem trabalhar mais duas horas por dia, no máximo 150 horas por ano, sem remuneração extra", explica. O que significa que os trabalhadores "sabem qual é a sua hora de entrada, mas não a de saída".

A contrapartida é gozarem essas horas extras quando precisarem. "Precisamente porque há falta de trabalhadores, é difícil marcar essas horas. Temos cada vez mais queixas por causa do banco de horas", acusa a mesma dirigente. O Pingo Doce nota que o bancos de horas foi aprovado por 81% dos colaboradores e considera que "possibilita a gestão de necessidades tanto da parte da empresa como da dos colaboradores", porque "também os colaboradores podem pedir horas adiantadas para gerir necessidades da sua vida pessoal, que mais tarde compensam".

Imposto para baixar preços?

Os grandes retalhistas, assim como a associação do setor, não entendem como se pode falar de lucros extraordinários - e consideram que é injusto usar o ano 2020, afetado pela pandemia, como comparador para o apuramento desses lucros. Gonçalo Lobo Xavier, que lidera a APED, refere a melhor eficiência das cadeias e o crescimento económico superior a 6% como razões para os resultados das cadeias. "Neste momento estamos a fazer a nossa avaliação [do diploma do Governo]", indica. O Continente, por exemplo, nota a "deterioração das margens operacionais" e a diminuição de 18,6% no resultado líquido.

O sucesso da grande distribuição parece ser a preservação do seu negócio - graças à sua força negocial e à compressão de custos - em vez da expansão extraordinária dos lucros à boleia da inflação. "Não vejo nada de extraordinário - o que vejo é no sentido de não saírem prejudicados", afirma Luís Aguiar Conraria, para quem os trabalhadores (que não tiveram aumentos de acordo com a inflação) são mais lesados do que os clientes. A força negocial dos grandes retalhistas alimentares sugere, de resto, que um imposto desta natureza acabe por penalizar os fornecedores (como receiam as fontes ouvidas pela SÁBADO) e os clientes finais. "O único efeito razoável, que conheço pela teoria económica, é aumentarem ainda mais os preços", aponta o economista da Universidade do Minho. "Esta cura não faz sentido", remata.