SOS/ASRAM: estudo sobre a "Requalificação da Frente Mar de São Vicente"

 

Figura 1 - O surf spot Cabeço do Boi, a offshore do Clube Naval de São Vicente é surfado pelos campeões mundiais Grant Twiggy Baker e Greg Long, bem como pelo campeão regional Ruben Afonso

Este estudo insere-se na Participação Pública da SOS - Salvem o Surf e da ASRAM
relativamente ao projeto  “Requalificação  da  Frente  Mar  de  São  Vicente”.

Sugere-se a leitura num portátil.

1– Perceção da comunidade surfista relativamente ao Conselho de São Vicente: análise FFOA do surf no concelho.

O surf é um desporto de natureza, praticado nas praias, importante para atrair população jovem para o Concelho e para a sócio-economia. Começamos por uma análise FFOA (SWOT em Inglês) para entendermos porque é expetável que a comunidade surfista veja o projeto “Requalificação da Frente Mar de São Vicente” como mais uma obra costeira negativa, que pode de novo danificar mais uma praia importante para o surf.

Forças:

São Vicente tem surf spots (praias ou locais para a prática de surf) muito diversas e com muita qualidade:

  • Ponta Delgada, surf spot de qualidade mundial;
  • Cabeço do Boi (Fig. 1), surf spot onde rebentam as maiores ondas surfáveis da Ilha Madeira;
  • Fajã da Areia, surf spot mais consistente (com mais dias surfáveis por ano) da Ilha da Madeira;
  • Clube Naval de São Vicente, surf spot para aprendizagem;
  • Esquerda da Padaria e Pico da Ribeira, surf spots de qualidade e nível elevados.

Tem ainda campeões:

  • Rúben Afonso: 3 vezes campeão regional de surf, 4 vezes campeão regional de SUP wave. 4 vezes campeão regional sup race, campeão nacional sup race 2 anos seguidos, atleta pertencente à seleção nacional 2016 e 2017.
  • Joana Andrade: campeã regional sub 16.
  • Grant Twiggy Baker e Greg Long, campeões do mundo de ondas grandes, bem como outros destacados surfistas, costumam surfar (Fig. 1) o surf spot do Cabeço do Boi. (fotografia de entra da publicação)

Fraquezas:

O surf é um desporto recente, muito subtil (basta uma pequena alteração para mudar as condições do surf, ou o acesso à praia) apenas entendido pelos jovens, por uma parte dos turistas e pela minoria mais abastada e mais desportista da população. Ainda não é bem entendido pelas gerações com mais responsabilidades a todos os níveis. Existe dificuldade na comunicação, que leva interpretações incorretas de parte a parte.

Oportunidades:

O surf é importante para manter os jovens radicados no concelho, evitando a sangria demográfica que aflige o município e a região; pois o surf é um desporto moderno, fortemente atrativo para os jovens. Obviamente também eleva o desporto regional. Portugal tem uma forte imagem, tanto mundial como na Europa, de destino de praia e de surf, pelo que a qualidade dos surf spots contribui para a industria do turismo e a sustentabilidade da economia local. As marcas Portugal e Madeira são tão fortes que não é necessário promover a região, o turismo de surf desenvolve-se naturalmente. A EasyJet (e muitas outras entidades) por exemplo promove ativamente o surf e tem um portal “where tro catch a wave em Madeira”, https://traveller.easyjet.com/portugal/madeira/best-surf-spots-madeira/. Esta oportunidade será concretizada se os surf spots danificados por obras costeiras (Fig. 2) forem renaturalizados.

Figura 2 - O quebra-mar aderente construído para proteger a piscina de Ponta Delgada tem uma dimensão tão exagerada que tem servido de porto de abrigo para embarcações. Destruiu o melhor surf spot do concelho, um dos poucos de qualidade mundial da RAM.

Ameaças:

A maior ameaça para o surf são as obras costeiras. São Vicente tem recebido um grande número de obras costeiras que danificaram gravemente os seus surf spots:
  • em ponta Delgada (Fig. 2), um molhe de proteção da piscina, com excessiva dimensão, danificou o surf spot de maior qualidade;
  • no Clube Naval de São Vicente, um molhe de proteção da rampa de acesso ao mar, destruiu o surf spot ideal para a iniciação ao surf;
  • na Fajã da Areia, uma promenade com obra de proteção das arribas afetou a onda (dirigida para a esquerda) do surf spot em condições de preia-mar.

2- Caracterização da Praia de São Vicente I: Necessidade de monitorização

A praia de São Vicente é uma praia urbana muito popular, com o acesso mais direto no Norte da Ilha da Madeira. Tem dois surf spots, a Oeste: a Esquerda da Padaria e a Leste: o Pico da Ribeira. É uma praia encaixada (Fig. 3), a Oeste pelas arribas e substrato natural da Esquerda da Padaria, e a Leste pela morfologia costeira na zona das piscinas naturais e artificiais. Dado que as ondulações de ambos os lados convergem para a praia, ela é um local natural de concentração dos sedimentos. É alimentada naturalmente pela Ribeira de São Vicente, bem como pelas derrocadas das arribas tanto a Oeste como a Leste, cujos sedimentos são transportados até à praia pela rebentação da ondulação. É composta por calhau rolado (em maioria) e por areia.

Figura 3 – Ortofotomapa tirado do Google Maps onde é evidente que a Praia de São Vicente é encaixada, bem como a direção da ondulação tende  a  transportar  os sedimentos para a praia.

Ora as praias encaixadas basculam sazonalmente consoante a direção e intensidade da ondulação. Neste caso os sedimentos concentram-se, segundo os testemunhos da comunidade surfista, mais para Oeste (com ondulações de Norte) ou para Leste (com ondulações de Oeste). Também a sua alimentação depende da pluviosidade que afeta a Ribeira de São Vicente, bem como as derrocadas.

Os ciclos climatológicos pluri-anuais também afetam a praia, tanto afetando o ano hidrológico da ribeira que alimenta a praia, como afetando as condições de agitação costeira. Há dois ciclos bem conhecidos, mas de período que flutua estatisticamente, com duração entre 4 e 7 anos, que afetam a climatologia local. O ciclo da Oscilação do Atlântico Norte, integrado na Oscilação Ártica, foi responsável em 2014 pela divisão do Vórtice Polar que originou várias tempestades encimadas pela Hércules, com fortes ondulações de Noroeste. O ciclo do El Ninõ normalmente coincide com ondulações de Oeste e mais pluviosidade.

Assim é necessário monitorizar a Praia do Calhau de São Vicente para, usando modelos de transporte sedimentar, prever com um estudo fidedigno, o real impacte do avanço do muro sobre a praia, consoante os ciclos anuais e sazonais.

A praia deveria ser monitorizada durante cerca de 10 anos, não só para incluir as flutuações de período anual que distinguem o Verão do Inverno, bem como apanhar um par de ocorrências do El Niño, e da North Atlantic Oscillation.

Um projeto sobre uma praia, que não seja baseado na monitorização, não deveria ser aprovado, pois não tem meios para prever como o muro projetado irá afetar a praia.

3 - Descrição genérica do perfil de uma praia, aplicado à Praia de São Vicente

Usamos como referência o glossário da APRH (Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, formada por várias universidades nacionais), publicado (Fig. 4) na revista científica Revista de Gestão Costeira Integrada

Figura 4 - Perfil genérico de uma praia, referência: https://www.aprh.pt/rgci/glossario/praia.html

É claro que, na Praia do Calhau de São Vicente, a estrada, passeio e restaurantes e outros estabelecimentos comerciais, já estão construídos sobre:
  • a berma de temporal
  • a escarpa de praia
  • a eventual duna de sedimentos mais finos que são transportados pelo vento.
Assim, da praia emersa apenas resta:
  • a berma, zona horizontal ideal para desportos e descanso,
  • a face de praia / zona de espraio, zona inclinada da praia onde as ondulações mais normais para a época do ano incidem.
De forma que é natural os temporais incidirem sobre o muro que suporta a estrada e o passeio, ocorrendo por vezes galgamentos, dado que o muro toma o papel de Escarpa de Praia e a estrada toma
o papel de Berma de Tempestade. De facto, já foram referidos galgamentos na comunicação social (Fig. 5):
Figura 5 – Notícia de 8 de fevereiro de 2001 do Diário de Notícias da Madeira

De referir que na Figura 4.27 |” Ocorrências de galgamentos costeiros registadas por freguesia (1985–2010)” da página 58 do Estudo de Impacte Ambiental do projeto de requalificação da Frente Mar de São Vicente (EIA), é mencionado que não ocorreu qualquer galgamento na Freguesia de São Vicente entre 1985 e 2010. Na notícia ilustrada na Fig. 5, contabilizamos três dias consecutivos de galgamento na zona do Calhau de São Vicente. Outros galgamentos ocorreram no citado local, contudo não foram noticiados. Deverá ser apurada a fidedignidade e origem dos dados usados na elaboração da Figura 4.27 do EIA.

4 - Caracterização da Praia de São Vicente II: Estado da praia na 1 a semana de Agosto de 2021

Na ausência de uma monitorização, resta-nos avaliar a Praia de São Vicente na 1 a semana de Agosto de 2021, semana em que realizámos um trabalho de campo no local.

A Berma é a zona horizontal da praia, que é a mais valiosa no caso duma praia de calhau, pois é a zona ideal para desportos e descanso. Neste local, desde que seja alimentada em areia, é possível a afluência de banhistas que aí poderiam estender a toalha, praticar desportos jovens como o vólei de praia, futebol de praia, futevólei, podem instalar-se toldos, etc.

Observamos que a Berma (Fig. 6) tem nesta semana (1 a semana de Agosto de 2021) uma largura cerca de 10 a 20 m de largura. Não tem uma largura constante, a sua largura é mais estreita nos extremos bem como no centro da praia.

Figura 6 - Vemos aqui turistas a passear sobre a praia de calhau, muitos mais utentes haveriam se a berma de praia fosse arranjada de uma forma convidativa e agradável.

Observamos também que o uso da magnífica Praia de São Vicente por utentes não é incentivado.
  • não existem nadadores-salvadores apesar de estarmos em plena época balnear, e de existir um elevado número de restaurantes que noutros locais seriam considerados apoios de praia;
  • há falta de acessos à praia, do muro alto descem duas escadas apenas, sem nenhum corrimão;
  • não há acessos para deficientes nem para emergências;
  • não existem passadiços sobre a praia para facilitar a deslocação sobre o calhau;
  • ao contrário de outras praias na RAM, não há alimentação da berma de praia em areia, afim de tornar o uso confortável;
  • a praia aparenta algum lixo;
  • não existem equipamentos como por exemplo toldos, rede de vólei ou futevólei, etc.
No entanto, devido a ser uma praia urbana e muito visível, tem um enorme potencial para o lazer e turismo (Fig. 6), para criar postos de trabalho e reter a juventude no concelho.

5 - Análise do projeto “Requalificação da Frente Mar de São Vicente”

O EIA tem vários pontos com o quais discordamos em absoluto e que não estão de todo validados. Trata-se dum projeto que faz avançar sobre a Berma da praia, em cerca de 6 metros, numa larga extensão, o estacionamento e o passeio urbanos.

5.1 - Uma primeira afirmação incorreta, que invalida as conclusões mais importantes do EIA
encontra-se, na página 99:

“Em relação aos impactes previstos para o descritor Socioeconomia na fase de funcionamento, importa referir que estes são todos positivos e de significância elevada e média, como resultado da dinamização direta das atividades económicas e geração de emprego, sobretudo, nos setores do turismo, recreio e lazer, com especial destaque para o surf e a gastronomia.”

O surf é um desporto de praia. Sendo a obra implantada sobre a Berma da praia, poderá afetar gravemente a sua morfologia. Nesse caso irá certamente prejudicar a acessibilidade ao mar e aos surf spots da Esquerda da Padaria e no Pico da Ribeira. Quanto à qualidade do surf nestes dois locais, poderá piorar caso a praia submersa se altere. Por exemplo no extremo Oeste da praia, a Esquerda da Padaria poderá mudar de morfologia, caso o sistema de Lomba sobre o qual se pratica surf seja afetado. O mesmo poderá ocorrer no extremo leste da praia.

Nos últimos 20 anos os surfistas têm verificado que as ondulações de Norte e de Nordeste retiram sedimentos da zona Oeste e central da praia, levando a que as ondas embatam no atual muro de suporte da estrada (Fig. 7). Caso ocorram sucessivas tempestades provenientes dos suprarreferidos quadrantes, os temporais extremos, associados ao fenómeno natural de basculação da praia (mencionado no ponto 2), poderá levar ao desaparecimento parcial ou total da Berma de praia. Atendendo que se desconhece, nem foi estudada a real oscilação da Berma, dever-se-á protegê-la,
pois é uma estrutura dinâmica, que se molda às diferentes condições de ondulação e não requer
qualquer tipo de custo de manutenção.

O eventual desaparecimento da Berma mudará severamente a morfologia da praia e consequentemente prejudicará a sua acessibilidade, assim como a surfabilidade e a qualidade das ondas do Calhau de São Vicente.

Acresce que o surf é um desporto de praia, e um desporto na natureza. Os surfistas, tanto residentes como turistas, dão mais valor a uma praia de calhau o mais natural possível do que a um estacionamento ou uma promenade. A praia sendo aterrada por uma estrutura de betão, perde valor paisagístico para os surfistas que preferem apreciar um ambiente natural a um ambiente construído.

Muitos surfistas vão também à praia com a família, ou amigos e para eles é natural que estes fiquem na praia enquanto eles surfam, não é natural que fiquem num estacionamento ou num passeio urbano.

Assim para o surf, nos setores do turismo, recreio e lazer, o descritor é obviamente negativo.

No mesmo sentido, incorreto, é referido no EIA na página 46,

“Para a AI está prevista a melhoria das condições do embarcadouro e o POT considera o Calhau (S. Vicente) uma das áreas privilegiadas para a prática do surf (Figura 4.21).”

Sendo o surf um desporto de praia, não é um desporto náutico no sentido de não requerer (antes pelo contrário) portos ou marinas, pelo que a referência a um embarcadouro não faz sentido algum. Referimos de novo que é errado afirmar que diminuir e potencialmente danificar uma praia seja vantajoso para o surf, antes pelo contrário.

Assim o na vertente surf o Descritor (ou fator) da Socio-economia deve passar a negativo.

5.2 - Uma segunda informação incorreta é a seguinte, na página 69 do EIA:

“Relativamente à área de intervenção desconhece-se a existência de campanhas de monitorização anteriores ao presente estudo e, considerando as atividades desenvolvidas na envolvente, esse não é um descritor significativo ao nível de impactes, sendo que será abordado preventivamente apenas para a fase de construção.”

Tratando-se de uma obra implantada sobre uma praia, em particular sobre a Berma, é de crucial importância determinar as flutuações da largura da Berma, ao longo pelos menos da última década. Havendo períodos em que a Berma fica com uma largura inferior a 6 metros (Fig. 7) então o impacte sobre a praia será muito elevado.

Figura 7- Pormenor da Praia do São Vicente com a Berma inferior a 6 metros. Imagem de 21 de Agosto de 2020. Ondulação de 2 metros proveniente do quadrante Nordeste, período de 9 segundos.

Desconhecendo-se a real largura da Berma, este EIA está gravemente incompleto pois carece dum estudo prévio que fundamente o seu impacte sobre a morfologia da praia, bem como da hidrodinâmica e do transporte de sedimentos.

Figura 8 – Exemplos de danos causados pelo mar. Perda de sedimentos observada quando o muro avança e cobre a Berma junto à Esquerda da padaria. Destruição parcial da obra de proteção do Clube Naval de São Vicente.

Notamos que, caso o muro seja implantado, ao longo da praia, sobre a quase totalidade da Berma então a reflexão da ondulação será mais frequente, aumentando a agitação no local, e como tal espalhando mais os sedimentos. Neste caso a praia ficaria desequilibrada, e passaria a perder mais sedimentos. Tal já acontece no extremo da praia do lado da Padaria (Oeste) bem como em frente ao restaurante Quebramar (Fig. 7 e 8).

Notamos ainda que a ondulação nesta costa Norte é muito intensa tendo por exemplo danificado a obra no Clube Naval de São Vicente (Fig. 8). Uma praia de Calhau larga é a melhor proteção contra a agitação marítima, pois é uma estrutura dinâmica que se molda consoante a intensidade e direção das ondulações.

Como tal é muito importante, e não despiciente, que um estudo prévio, com uma monitorização correta durante um intervalo de tempo adequado, seja realizado antes da obra.

Mesmo que neste momento não exista vontade em valorizar a praia, no futuro com o aumento do turismo essa vontade deverá existir. Um novo projeto de requalificação da praia deveria ter no mínimo um capítulo importante dedicado à praia e aos seus utentes.

Para os surfistas a frente de mar de São Vicente é uma praia. Para os turistas europeus, na maioria vivendo em grandes cidades e ambientes muito urbanos longe do Oceano Atlântico (vários países não têm oceano, apenas mar, e mesmo assim longe das cidades), a frente de mar de São Vicente é uma praia. Estes utentes da praia, que querem usar a praia como bem natural muito valioso que é, e que também são importantes para os restaurantes, não devem ser ignorados.

5.3 – Uma grave omissão existe no EIA e no RNT, que não referem uma única vez as palavras, Banho, Banhista, Nadador, Salvador, ou palavras com o mesmo radical.

Tratando-se dum projeto sobre uma praia, deveria obrigatoriamente considerar-se como incontornáveis utentes do local, os banhistas.

Presentemente, em Agosto de 2021, ficou esclarecido que não há nenhum empenho em incentivar o uso desta magnífica praia de São Vicente como uma zona balnear (Fig. 8).

No projeto a situação ainda piora mais pois, uma das escadas de acesso à praia desaparece, apenas fica a escada no fim da promenade.

Figura 9 – Esta imagem de lixo na praia, junto às escadas, ilustra o desperdício da fantástica oportunidade de valorizar o conceito de praia nesta extensa praia na Vila de São Vicente.

5.4 – No próprio EIA pode-se ler na página 47 o seguinte:

“Dos riscos identificados, destacam-se pela sua maior incidência na AI, os seguintes: cheias e inundações e aluviões; inundações e galgamentos costeiros e movimento de massas em vertentes.” O citado texto, foi retirado pelo elaborador do estudo, do Plano Regional de Emergência e Proteção Civil (PREPCRAM).

No que concerne aos resultados da avaliação de impacte ambiental do EIA, no ponto 6.2.5. “Dinâmica Costeira”, mais concretamente nas páginas 94 e 95 também se pode ler: “Alteração das condições hidromorfológicas em particular no que respeita ao perfil de praia e diminuição da largura de praia de calhou rolado que conduz à aproximação da linha de água da frente marítima e consequentemente à diminuição da área de dissipação da energia da onda, nomeadamente em períodos de ocorrência de eventos extremos (tempestades):
  • Aumento dos galgamentos costeiros dado o avanço da frente marítima na direção do mar, levando ao rebentamento da onda junto do novo alinhamento marginal;
  • Aumento potencial de vibrações resultante do rebentamento da onda, devido à redução da área de dissipação da energia da onda, nomeadamente em períodos de ocorrência de eventos extremos (tempestades);
  • Risco de inundações costeiras dado o avanço da frente marítima na direção do mar;
  • Alteração na dinâmica de transporte sedimentar na envolvente da área de intervenção.
No que diz respeito ao descritor Dinâmica Costeira, foram detetados quatro impactes negativos, sendo a sua significância média (alteração das condições hidromorfológicas, aumento dos galgamentos costeiros e risco de inundação) e significância reduzida para a alteração na dinâmica no transporte sedimentar. A duração desde impactes é transversal a todas as fases do projeto.

De acordo com a caracterização elaborada, uma parte significativa da obra será implantada sobre a atual praia de calhou rolado, o que poderá desencadear a alteração da dinâmica costeira no que respeita à transformação da onda, e consequentemente ao aumento/surgimento de galgamentos e de inundações costeiras como resultado da diminuição da largura da praia e da alteração do perfil de praia. Este facto poderá ainda ser agravado com a subida do nível médio do mar e a intensificação dos eventos extremos ... genericamente, o impacte ambiental sobre o descritor Dinâmica Costeira deverá ser classificado como Negativo, Direto, Permanente e de Significância Média.”

O SOS concorda com o anteriormente referido, contudo acredita que a Significância deverá ser alterada para elevada pois, os fatos relatados põem em causa a estabilidade e durabilidade da estrutura, o custo benefício da obra e a qualidade das ondas surfáveis.

6- Recomendações para o Projeto e para o EIA

A nossa avaliação mostra que o Projeto de Requalificação da Frente Mar de São Vicente bem como o seu EIA têm falhas graves, devido possivelmente a uma incorreta perceção do que é o surf bem como das expetativas dos utentes atuais e potenciais da Praia do calhau de São Vicente. Presentemente este local é o mais popular de São Vicente, mas para ser mais popular ainda deve mudar de estratégia.

Atualmente a praia não é percecionada como uma praia. Os acessos são escassos, são inseguros, a praia está suja, e apesar de ser uma praia urbana próxima de todos, não é vigiada.

Os surfistas são, de facto banhistas, que têm um elevado nível de conhecimento do mar e um desempenho desportivo que lhes permite usufruir mais da ondulação e da praia mais do que a média dos banhistas. Mas, são banhistas que dão grande valor às praias, não são marinheiros que necessitem de embarcadouros, nem de estruturas como muros ou estacionamentos.

Assim as nossas recomendações são as seguintes:

Quanto ao EIA, deve ser revisto profundamente:
  • deve ser realizado um estudo prévio com uma prolongada monitorização da geomorfologia da Praia de São Vicente por 10 anos para avaliar a largura da Berma em função do El Niño e da Oscilação do Atlântico Norte, bem como dos ciclos sazonais antes do projeto ser executado;
  • qualquer diminuição da praia, bem como avanço de estruturas, deve ter um peso negativo relativamente ao surf no Descritor da Socioeconomia;
  • o projeto deve ter um peso muito negativo para os banhistas e demais utentes habituais das praias no Descritor da Socioeconomia. Quanto ao projeto, recomendamos que a praia seja valorizada como tal, e não tratada como algo sem valor:
  • recomendamos que o muro não avance sobre a Berma da Praia de São Vicente;
  • recomendamos que os acessos à praia sejam melhorados com mais escadas, rampa para deficientes e para emergências;
  • recomendamos que apenas uma faixa de circulação automóvel seja usada, no sentido túnel → ribeira (Oeste para Leste), para libertar espaço para a promenade, pois a frente de mar não é apenas um espaço de passagem mas sim um espaço de passagem e de lazer;
  • recomendamos que o uso da praia seja incentivado para lazer e turismo, colocando areia na época balnear, bem como equipamentos de apoio à praia tais como toldos, passadiços;
  • recomendamos uma sinalética que ordene os usos e informe os utentes sobre os fatores naturais e culturais e de segurança do local.

7 - Recomendações para potenciar o surf em São Vicente

Finalmente em preparação do POC, referimos em ortofotomapa (Figs. 10 e 11) os locais que na nossa opinião deveriam ser inscritos como podendo receber estudos e projetos de melhoria do surf, renaturalizando ondas danificadas.

Dado que o projeto “Requalificação da Frente Mar de São Vicente” pretende melhorar o Descritor da Socioeconomia, e invoca o surf, devemos pensar no que realmente é positivo para o surf.

Estes futuros projetos, a inscrever antecipadamente no POC (Figs. 10 e 11), deverão ser realizados com consulta às populações locais de forma a não afetarem outros usos que, entretanto se instalaram nos locais, desenvolvendo não só o surf, mas também os banhos de grande importância para o turismo e a pesca artesanal importante para a população.

Figura 10 – Clube Naval de São Vicente: criação ou renaturalização de surf spot para principiantes.


Figura  11  –  Ponta  Delgada: renaturalização ou recuperação de surf spot de qualidade mundial.


Agradecimentos

Agradecemos a disponibilidade e a cordialidade com que o Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de São Vicente, Dr. José António Garcês, nos recebeu e nos esclareceu em grande detalhe sobre o projeto “Requalificação da Frente Mar de São Vicente”.

Também agradecemos ter sido recebidos por diversas direções do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, relativamente ao tema mais lato do surf na RAM.


Ficha Técnica

Este estudo insere-se na Participação Pública da SOS - Salvem o Surf e da ASRAM relativamente ao projeto  “Requalificação  da  Frente  Mar  de  São  Vicente”  em  discussão  pública.

Os técnicos responsáveis por esta resposta são:

Pedro Bicudo (PhD), Prof. Associado Agregado do Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, que tem sido pioneiro em lançar vários projetos de surf em Portugal: previsões da ondulação para o surf (1995), portal de surf (1995), artigos e entrevistas em jornais e na TV (1999), movimento cívico para salvamento de praias (2002), colóquios de física do surf (2003), patente industrial de surf (2007), coordenação de estudo prévio de um recife artificial multifunções (2007), modelo numérico do surf (2007), orientação de teses sobre o surf (2008), artigo em revista internacional de engenharia sobre o surf (2008), modelo físico em escala reduzida do surf (2008), inclusão do surf em estudos de impacte ambiental (2008), protótipo de máquina CNC para produção de pranchas de surf (2009) estudo e previsão da economia do surf (2009) fundador de associação equiparada a ONGA (2012). Acompanhou o nascimento e o crescimento do surf na Madeira (surfa na ilha desde o início dos anos 80).

Valter Miranda, Técnico superior da Direção Regional do Ambiente e Alterações Climáticas (DRAAC); Eng.º do Ambiente pela Universidade dos Açores - Departamento de Ciências Agrárias (2008);Vigilante do Serviço do Parque Natural da Madeira de 2010 a 2016 tendo organizado diversas limpezas de praia nas etapas do circuito regional de surf no âmbito do projeto eco-compativel; Guia de Mar Profissional (2010); Guia de Montanha Profissional (2013); Observador de pescas a bordo de embarcações (2007 a 2009); Agricultor biológico; Cofundador da ASRAM (Associação de Surf da Região Autónoma da Madeira) tendo feito parte dos seus corpos sociais de 2013 a 2017 e organizado limpezas de praia e sensibilização ambiental; Colaborador do SOS - Salvem o Surf Açores de 2003 a 2008 tendo colaborado em inúmeras de limpeza de praia e participado ativamente para despoluir (águas residuais não tratadas) a onda de Santa Catarina no Cabo da Praia, Ilha Terceira. Atualmente pertence aos corpos sociais SOS Portugal, coordenador do núcleo da Madeira da SOS, Surfista e amante do mar.

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Quinta-feira, 19 de Agosto de 2021 21:17