Entrevista a Joaquim José Sousa (revelações)


L iteralmente de bestial a besta, dura frase de arranque, ainda mais dura a situação que vive Joaquim José Sousa, sempre conhecido por mérito como o professor do Curral das Freiras, por ter catapultado a escola da freguesia para o ranking nacional, fazendo boa publicidade do ensino da região. Que orgulho ... ou não?! Ninguém percebe o "crime" mas, desse dia em diante, em vez de uma prova de obstáculos, Joaquim de Sousa só teve paredes. Em vez de dar ânimo aos máximos dirigentes do ensino na Região, trouxe raiva, política, menorização do mérito, diabolização da pessoa e o arrasar do trabalho feito. Será medo do principal responsável? Do tipo, lugar a prémio?

Aqueles que sempre têm a Madeira e os madeirenses no coração, ao que parece da boca para fora, em vez de acarinhar destruíram todo o projecto por razões ... supostamente políticas pois as acusações são ninharias, rabuscadas, forjadas, com o mesmo objectivo que já vimos Inquéritos Parlamentares resultar a gosto do poder e não da verdade. É opinião de quem entrevista. Quantos mais mártires do autoritarismo?

Que outras razões poderiam ser? Não é caso único no ensino, pejado de favores que compram sindicalistas, conselhos directivos, que criam nas escolas públicas turmas de elite custeadas por todos nós, para além do ensino privado, talvez tão inviável como o futebol e outras tantas áreas sem a subsidiação. Afinal quer-se dependência e não sucesso?

O ensino parece amedrontar por ser elevador social numa sociedade assente em importantes e nos mesmos DDT, com os pés numa inexistente classe média mas de imensos remediados. Terra de gente pobre que se deixa manipular, por necessidade, pelo poder, qualquer que seja a vertente, pelo naco do essencial no limite da dignidade.

Ter formação é uma forma de independência. Se tens valor, foges ao sistema, esse precisa de escravidão e bajulação ao seu autoritarismo.

O Correio da Madeira nunca fez entrevistas mas, começamos a considerar urgente dar voz a pessoas perseguidas porque ... longe da vista, longe do coração e os prevaricadores passam bem ... impunes. Leitor, desculpe a directa, é impressionante um professor de mérito de castigo se comparado com um Director Regional da Educação que não sabe ensinar o filho a não ser vândalo. Qual foi o castigo? Retirar a queixa ao vândalo. Que paralelismo!

Vamos, à entrevista, para já, Joaquim José Sousa prometeu um livro onde vai narrar e perpetuar o seu caso, para memória futura. O que nunca mais queremos ver na Educação!


ENTREVISTA

O seu processo, que está no tribunal supremo, é único na história da Educação da RAM. Considera que marcará uma nova era no respeito pelos professores e funcionários?

Era importante assim fosse, o medo e o imperativo de agradar ao chefe imperam na administração pública regional. O supremo tribunal apenas se irá pronunciar sobre se o processo estava prescrito quando fui sancionado ou não, pois segundo eu, o TAFF e a relação já estava, considerando no entanto a relação que coloquei a contestação 1 dia fora de prazo. Este processo demonstra que existe uma clara situação de abuso, bem explanada nas duas sentenças até agora proferidas, mas a administração escudada no poder conferido pelos cargos e nos dinheiros públicos que tem ao dispor vai procurar através destas vantagens, ganhar aquilo que ética e moralmente nem devia poder recorrer.   

O desaparecimento das actas é o facto mais estranho do processo ou existem outros que deseje destacar?

Este é um processo de bizarrias:

- A instrutora não era inspetora – a administração para um processo disciplinar a um titular dum cargo dirigente requisitou uma professora, sem competência, mas da confiança pessoal de quem abriu o processo;

- A acusação final nada tem a ver com a acusação de abertura do processo;

- Desde o início solicitei prestar declarações, mas nunca fui ouvido no decorrer da instrução;

- Não tive direito a recurso hierárquico;

- Ganhei as eleições que a SRE mandou realizar e 24h depois do sufrágio eleitoral a escola foi extinta;

- O TAFF mandou-me regressar ao serviço e a SRE voltou a suspender-me considerando-me uma ameaça para o futuro dos alunos recorrendo a argumentos que não existiam;

- Fui suspenso por aceitar anular uma matrícula duplicada (inscrito em duas escolas) de um aluno de 10º ano em 2017/2018 que para a SRE abandonou a escola, mas que acabou o 12º ano em 2019/2020;

- Fui suspenso por ter professores do 1º ciclo a mais e afinal tinha a menos;

- O processo foi aberto por pedir professores de economia e informática a mais, mas se eu não tivesse dado duas disciplinas de economia sem professor os alunos não tinham acabado o 12º ano;

- O órgão era colegial, com competências definidas em regimento e lavradas em ata, mas só aquele que tinha menos competências diretas nas 12 acusações foi sancionado;

- ...   

Sente que este processo tem contornos de assédio moral por parte do secretário regional de educação?

Sem dúvida, sinto pessoalmente que todo o processo foi claramente direcionado com o objetivo de denegrir a minha imagem pública e levar a uma condenação tivesse ou não culpa. 

No processo intervieram vários dirigentes da SRE, entre eles o atual diretor regional de educação Marco Gomes e o diretor da Inspeção de Educação, Jorge Morgado, considera que agiram cumprindo ordens mesmo que consideradas ilegais ou agiram por sua iniciativa?

Titulares de cargos de topo se não concordam com algo, eticamente só podem fazer uma coisa demitir-se, se não o fizerem são coniventes com o ato. No caso do atual diretor da IRE o mesmo devia ser o garante da legalidade dos atos praticados pelo seu serviço e evitar que direitos, liberdades e garantias não fossem espezinhados como foram 

Sendo professor, a sua mulher também e os filhos a frequentar o ensino regional, sente que a sua familia é prejudicada?

A minha família tem sofrido muito com tudo isto, num procedimento disciplinar com os contornos que este têm está e muito em jogo a honra, o prestígio e o meu bom-nome, diria até uma inteira vida profissional e o futuro da minha família, o processo da administração não foi só contra mim, a suspensão como foi definida condenou-me não só a mim mas a toda a minha família, tive momentos em que não podia proporcionar cuidados de saúde ou de lazer aos meus filhos à data de 4 e 6 anos e estes sentiram-no e muito – como é que um dia poderei dizer aos meus filhos que a justiça se baseia na presunção de inocência. Em agosto de 2017 dei uma entrevista ao António Barroso Cruz da revista Saber, onde afirmava que o nosso desejo para 2018 era ter mais um filho, o que foi inviabilizado, a minha família muito tem sofrido com isto tudo. A minha esposa para além de suporte emocional e financeiro da família, tem enquanto professora nos últimos anos carregado o fardo de ser minha esposa e não de ser a magnífica profissional que é.. 

O seu vencimento foi suspenso durante meses devido ao processo, como está neste momento?

Neste momento voltei a ter salário, continuo a pagar advogados, mas as sequelas daquilo que passamos manter-se-ão por muito tempo.

Perante o desfecho que aguarda ser-lhe favorável, pretende exigir compensação indemnizatoria?

Sim


Quem considera que atuou deliberadamente para o prejudicar?

Várias pessoas de topo da administração pública regional 

Considera que a atuação do Presidente do Governo, ao ignorar a situação de injustiça de que está a ser alvo, deverá ser incluído no processo indemnizatorio?

O presidente do governo até 31 de agosto de 2018 era o meu recurso hierárquico (que nunca foi) e devia ser o garante da legalidade, pois não devia ser só o presidente dos que votaram nele, mas sim de todos os habitantes da Madeira e Porto Santo, o que não tem sido.

O seu caso foi muito mediatizado no continente. Porque os órgãos de comunicação regionais não deram ênfase a sua opinião/ posição? Considera que o Secretário de Educação tem poder para controlar a Comunicação Social?

Certamente que o salvamento do gato e a milésima reportagem da mesma coisa é mais importante. Se controla não sei, mas que as “odes ao sucesso” se repetem nos mass média, repetem.

Como pai e professor, qual a sua opinião sobre os actos de vandalismo registados no Porto Santo e mediatizados nas redes sociais?

Como Pai fico em alerta, porque hoje são estes e amanhã poderão ser os meus se não os orientar para uma cidadania responsável. Penso que muitas vezes falta assumir a responsabilidade de dizer não e de termos a consciência que os nossos filhos são uma coisa connosco e outra quando estão em grupo, enquanto professor é algo que não me espanta, não estamos a formar cidadãos conscientes, a infantilização e a desresponsabilização dos jovens tem consequências..   

O que aconselharia aos encarregados de educação dos jovens identificados?

Mais responsabilidade, menos regalias.

Como figura pública, se acontecesse com um dos seus filhos reconheceria e pediria desculpa assumindo a reparação dos danos causados?

Sem dúvida, e acima de tudo os meus filhos teriam de assumir a responsabilidade e assegurar eles mesmos a reparação de tudo o que foi destruído. 

O processo judicial é lento e, casos similares, demoram anos a resolver. Alguma vez colocou a hipótese de desistir?

Não, nunca colocamos essa hipótese. Estamos cansados, com o espetro da falência, é difícil lutar contra quem devia ser o garante da legalidade e que usa os meios públicos para a impedir. 


Excerto da Revista Saber nº 243 de Agosto de 2017


Como descreve e classifica a atuação dos Sindicatos perante o seu caso?

Sinto que não pertenço à carreira docente. Mas agradeço o apoio da ANDAEP e o interesse do STOP e da CONFAP; 

Como sócio do SPM sentiu proteção?

Nenhuma. Esse é um dos capítulos mais bizarros que explico no livro que estou a escrever sobre este processo.

Foi ameaçado ou a sua família? Se sim, como?

Sim fui, disseram que se continuasse a contestar acabava no fundo da ribeira. Não valorizei, mas ...

Existindo a hipótese de se transferir para fora da RAM, continuará a lutar pela justiça ou preferirá esquecer o processo?

Sim. ponderamos ir embora, temos de salvaguardar a segurança dos nossos filhos. Por mais anos que passem não poderei esquecer os contornos deste processo. Desistir, não. O mal é quando os cidadãos vítimas de situações como esta abdicam e deixam de resistir. O assédio moral adoece, não vale tudo, ou não devia valer..

Qual a sua opinião sobre o futuro da Educação na Região, atendendo ao cenário de crise?

A região na última década perdeu a capacidade de inovar, a autonomia permitia traçar um novo rumo, mais consentâneo com as necessidades dos nossos alunos e das suas famílias.. Não precisamos de gastar mais dinheiro, precisamos de ter uma nova estratégia, de ter visão de apostar no mérito social e académico.


Excerto da Revista Saber nº 243 de Agosto de 2017
"Mais um filho" sonho de 2017. 2020: não concretizado pela situação que vive.



Foi diretor de uma escola que foi vítima do seu sucesso. O sucesso dos mais pobres incomoda as elites?

Alguma “elite” regional é determinista e convive mal com o sucesso daqueles que consideram inferiores. O expectável era que tivéssemos mantido os números de 2009 em que o abandono escolar entre os alunos do Curral das Freiras foi superior a 30% e o sucesso educativo rondou os 60% e não os 0% de abandono escolar em 2018 o sucesso educativo foi de 95%. Existem escolas na Madeira que trabalham muito bem, como a escola do Porto da Cruz. Sim entendo que os dois grandes problemas da escola do Curral foram: 

- o facto de nunca ter calado as dificuldades que vivíamos a nível da falta de professores e funcionários

- e da imprensa nacional ter dado relevo ao sucesso dos alunos do Curral das Freiras , cuja escola tinha 92% de alunos beneficiários de Ação Social Escolar e ainda assim em 2015 foram à melhor escola Pública portuguesa nos exames nacionais do 3º ciclo, quando em 2010 tinham sido a 7ª pior a nível nacional..   

Porque é que o desaparecimento das atas o prejudicou?

A análise das atas dos conselhos executivo, da comunidade educativa e do pedagógico provavam que a principal testemunha da acusação estava a mentir e esclareciam cabalmente quem tinha responsabilidades no quê. Nesse sentido não foram analisadas pela instrutora e não me foram facultadas para juntar nem à defesa nem em processo judicial contra a secretaria. tendo inclusive desaparecido misteriosamente – sem documentos a acusação pode construir a história como quis, até porque as testemunhas que apresentei – antigo diretor regional, presidentes do conselho da comunidade educativa e do pedagógico chefe de serviços administrativos, uma vice-presidente não foram consideradas credíveis.

Considera que a extinção da escola do Curral das Freiras foi devida à sua vitória nas eleições para o Conselho Executivo?

A Secretaria da Educação fez à escola do Curral das Freiras o que Maduro fez ao Parlamento da Venezuela, como ganhou quem não queria, extinguiram o organismo que não podiam controlar. Como o próprio Secretário Regional de Educação afirmou na comissão de Educação do parlamento Regional, onde disse que “a escola do Curral das Freiras fecha e a de São Jorge não, ainda que tenha menos alunos, porque em São Jorge os órgãos são nomeados pela Secretaria da Educação e a escola do Curral das Freiras fecha porque os órgãos são eleitos”. A escola foi extinta 24h após a minha vitória nas eleições que a própria secretaria regional da educação mandou realizar e cujo escrutínio eleitoral nunca considerou válido, candidatos, eleições, apuramento dos resultados, os mesmos foram validados pelo conselho da comunidade educativa. Mas ganhou quem não podia ganhar.. 

Refere várias vezes que uma testemunha mentiu. Tem provas disso?

Tenho eu e tem a Secretaria da Educação, pese embora o desaparecimento das atas existe ainda muita prova documental que a antiga diretora da escola do 1º ciclo, que fazia parte da direção da escola do Curral das Freiras faltou deliberadamente à verdade no seu depoimento inserido no processo 27/D/17 e que o fez com intenção de me provocar dolo a mim e à minha família. Existe vasta documentação, seja nas atas do Conselho Executivo, do Conselho Pedagógico e do Conselho da Comunidade Educativa de 2014 a 2018, seja na documentação trocada entre a escola do Curral das Freiras e os diferentes organismos da Secretaria Regional de Educação. Documentação (muita identificada) essa que está ao cuidado da nova escola de Santo António e Curral das Freiras e da própria Secretaria Regional de Educação. No vai e vem das justificações o próprio Secretário Regional de Educação (na Comissão de Educação do Parlamento Regional) referiu que extinguiu a escola por a Vice-presidente se ter demitido e pelo que relatou.

O órgão era colegial, mas apenas o Prof. Joaquim Sousa foi condenado como vê isso?

Como se pode ver isso? A tomada de decisão de um órgão colegial é por votação – 1 sozinho não ganha, aliás em ata, apenas eu apresentei declaração de voto por não concordar com a decisão tomada. A ata é um documento que registra as ocorrências, deliberações, resoluções e decisões das reuniões,, nas atas da escola todos os factos que compõem a acusação estão plasmados, exceto a correspondência que não recebi, o regimento interno do conselho executivo que define as competências de cada um foi aprovado dos seus membros e está anexo, o regulamento interno da escola foi aprovado na direção por unanimidade, o regulamento de distribuição de serviço docente também e no final das 12 acusações apenas 1 está sob a minha responsabilidade direta, as outras 11 não e fui condenado, pois a instrutora considerou que as duas vice-presidentes não tinham opinião nem autonomia sobre nada (contrariando toda a prova documental existente). 

E é por isto mesmo que não podia calar. Em silêncio e amordaçados vivemos muitos anos.




Que mensagem gostaria de deixar aos professores da região?

Que nós somos os verdadeiros construtores do futuro, que a escola ainda pode ser o elevador social que as crianças provenientes dos agregados mais desfavorecidos precisam para terem uma vida melhor. Que nós somos fundamentais para termos uma melhor sociedade.