A extração de inertes nas ribeiras - Perguntas e Respostas


Diário de Notícias, edição do dia.

Desde que me lembro a extração de inertes nas ribeiras sempre esteve envolvida em polémica, como por exemplo, no DN de hoje. Deste modo procuro informar o cidadão comum da minha opinião.

O GR pode pagar em géneros?

Sim. De acordo com o Código dos Contratos Públicos (Artigo 17.º -Valor do contrato)

  1. Para efeitos do presente Código, o valor do contrato a celebrar é o valor máximo do benefício económico que, em função do procedimento adotado, pode ser obtido pelo adjudicatário com a execução de todas as prestações que constituem o seu objeto.
  2. O benefício económico referido no número anterior inclui, além do preço a pagar pela entidade adjudicante ou por terceiros, o valor de quaisquer contra prestações a efetuar em favor do adjudicatário e ainda o valor das vantagens que decorram diretamente para este da execução do contrato e que possam ser configuradas como contrapartidas das prestações que lhe incumbem.”

A atividade de desassoreamento de cursos de água enquadra-se na legislação relativa à extração de inertes?

Não. Se se enquadrasse neste diploma, por esse mesmo diploma não seria permitida pois o artigo 5º determina que uma pedreira deve localizar-se a mais de 30 metros dos cursos de água.  


Qual o enquadramento Jurídico do desassoreamento de cursos de água?

1 A legislação em vigor sobre este assunto é a Lei 58/2005 (artigo 33º) e a sua adaptação à Região:  Decreto Legislativo Regional n.º 33/2008/M (que nesta temática nada altera a lei base).


2 A correção dos efeitos da erosão, transporte e deposição de sedimentos que implique o desassoreamento das zonas de escoamento e de expansão das águas de superfície, quer correntes quer fechadas, bem como da faixa costeira, e da qual resulte a retirada de materiais, tais como areias, areão, burgau, godo e cascalho, só é permitida quando decorrente de planos específicos.

3 Os planos específicos de desassoreamento definem os locais potenciais de desassoreamento que garantam:

a) A manutenção das condições de funcionalidade das correntes, a navegação e flutuação e o escoamento e espraiamento de cheias;
b) O equilíbrio dos cursos de água, praias e faixa litoral;
c) O equilíbrio dos ecossistemas;
d) A preservação das águas subterrâneas;
e) A preservação das áreas agrícolas envolventes;
f) O uso das águas para diversos fins, incluindo captações, represamentos, derivação e bombagem;
g) A integridade dos leitos e margens;
h) A segurança de obras marginais ou de transposição dos leitos;
i) A preservação da fauna e da flora.

4 A adequação de uma atividade de extração de inertes como medida de desassoreamento constitui requisito necessário para o exercício dessa atividade, nos termos do n.º 3 do artigo 60.º, e sem prejuízo do regime de avaliação de impacte ambiental e do plano de recuperação paisagística.

5 As medidas de conservação e reabilitação da rede hidrográfica devem ser executadas sob orientação da autoridade nacional da água, sendo da responsabilidade:

a) Dos municípios, nos aglomerados urbanos;
b) Dos proprietários, nas frentes particulares fora dos aglomerados urbanos;
c) Dos organismos dotados de competência, própria ou delegada, para a gestão dos recursos hídricos na área, nos demais casos.”

Existe algum Plano de Específico de Desassoreamento na RAM?

Em princípio não. Pois os Planos têm que ser aprovados pelo secretário regional da tutela, e essa aprovação tem que ser publicada no JORAM. Como no JORAM não está publicado, então não existe aprovação.

Porque é que não é feito?

Imagine-se que fosse aprovado semelhante plano. Os donos dos prédios poderiam imediatamente solicitar autorização para executar esses trabalhos de desassoreamento, ficando com o lucro da atividade. Que eu saiba, neste momento, não existe nenhuma taxa a pagar pelo desassoreamento.

Atualmente, só pode “desassorear” quem os técnicos do GR quiserem, tendo os mesmos completa discricionariedade (a meu ver ilegal) para isso.

O GR tem que solicitar um título de utilização do domínio público hídrico (licença de construção ou de desassoreamento)?

Sim. Por lei sim. Mas muitas obras pós-20 de fevereiro executadas pelo GR não o tiveram.

As licenças de desassoreamento u de construção devem ser publicadas?

Sim. A secretaria regional do ambiente costuma publicar os títulos de utilização do domínio público hídrico no JORAM. A secretaria regional dos equipamentos e infraestruturas não o faz. Por não o fazer, o cidadão comum desconhece se um determinado desassoreamento é legal ou ilegal. Esta não publicação beneficia os infractores e os sistemáticos beneficiados pela atribuição dessas licenças.

De quem é a pedra?

Pelo Código Civil Artigo (1328.º -Aluvião), a pedra pertence ao proprietário do prédio.
1. Pertence aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por acção das águas, se lhes unir ou neles for depositado, sucessiva e imperceptivelmente.


Portanto, se o prédio é de privados a pedra pertence a esses privados. Se os prédios são do GR, então a pedra é do GR.

Porque é que os proprietários da pedra não se queixam?

A maior parte da população não sabe que essa pedra é sua. Alguns não sabem do seu valor. Logo após o 20 de fevereiro de 2010, algumas empresas de construção civil aproveitaram para “desassorear” cursos de água de privados, e esses privados por desconhecimento até lhes agradeceram.

Por outro lado, mesmo que soubessem que a pedra é sua, enfrentar este GR é tarefa muito perigosa…

O GR já foi acusado de dar pedra que não é sua?

Sim. As situações relativas à Ribeira da Tabua, e da Ribeira da Metade, que tanto quanto se sabe, estão sob investigação.


O que dizem o EARAM (estudo de avaliação de riscos de aluvião da ilha da Madeira) e o PGRI (plano de gestão de riscos de inundação) sobre o desassoreamento de cursos de água?

O EARAM e o PGRI identificam essa medida de desassoreamento como sendo, por vezes, necessária. No entanto, não identificam os locais onde é necessário desassorear, nem cumprem com o estabelecido no ponto 3 do artigo 33º da lei 58/2005 (acima citado).

É fácil a identificação de zonas em que o desassoreamento faz sentido a nível técnico?

Não. Os cursos de água têm ciclos. Uma determinada zona pode estar a assorear durante anos, e depois da ocorrência de um caudal elevado ficar completamente desassoreada, e manter essa tendência de desassoreamento natural durante anos.

O leitor pode aferir esta constatação falando com pessoas que vivem nas imediações de cursos de água.

O desassoreamento faz sentido a nível técnico?

Em casos muito pontuais; em zonas em que se verifica um repentino aumento da cota do leito do curso de água (i.e., após um aluvião). O desassoreamento tal como é atualmente executado instabiliza o leito por via da retirada das pedras de maiores dimensões, coloca a descoberto as pedras de menores dimensões (que mais facilmente alimentam uma aluvião), da alteração do “encaixe” entre pedras.

O desassoreamento se extremo pode colocar em risco as margens e os taludes marginais dos cursos de água, e também o equilíbrio do leito nas zonas montante.

O desassoreamento liberta sempre sólidos que poluem as águas das ribeiras e do mar, dando-lhes um tom “acastanhado”.

A contínua retirada de inertes de um curso de água prejudica o equilíbrio sedimentar da zona costeira, podendo no limite provocar o recuo da linha de costa.

Em que moldes poderia ser autorizado o desassoreamento ou extração de inertes das margens dos cursos de água?

Na minha opinião, em dois moldes típicos:

1- Nos moldes em que a empresa “santos e jesus” desassoreou na ribeira de são João. Basicamente, num seu prédio, construiu um muro perpendicularmente à direção do escoamento. Depois, quando a tardoz desse muro a pedra atingia uma determinada cota, a retirava.
2- Em moldes similares aos que empresa “brinertes” propõe:

a) é detentora do prédio;

b) responsabiliza-se por executar obras defensivas nas margens do leito da ribeira;
c) extrai os inertes dos terrenos à margem da ribeira;

d) posteriormente, repõe terra nos terrenos; e) eventualmente, executa uma exploração agrícola. Repare-se que as alíneas c), d)
e) são potencialmente lucrativas.

Se, o supramencionado é verdadeiro, porque é que o GR procede desta maneira?

As únicas razões que me ocorrem são: a incompetência, a pouca cultura de trabalho por parte dos deputados (que poderiam alterar a legislação) e a discricionariedade que pode ser uma fonte de poder e de lucro.

Se o supramencionado é verdadeiro, porque vários secretários regionais são coniventes com este tipo de situações?

Na minha opinião, os secretários regionais de equipamentos e infraestruturas são escolhidos por facilmente pactuarem com ilegalidades e injustiças. Ainda hoje li mais uma acusação de um ex-secretário da SREI dar mais um tacho por motivos possivelmente políticos.

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Enviado por Denúncia Anónima
Segunda-feira, 1 de Junho de 2020 13:44
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