Oudinot: o crime final



B oa tarde, queria convidar o Correio da Madeira a divulgar a publicação do Engº Danilo Matos, por competência, verdade e ser defensor do nosso património. Só com pessoas informadas, e com o tal contraditório, poderemos evitar que o poder faça o que lhe apetece em prol de interesses suspeitos. Parece que mais uma vez vamos perder, até não termos mais nada a perder e ganharmos uma região insípida, cinzenta e de patos-bravos que não respeitam as suas raízes e a sua história. Estamos aflitos por falta de turismo mas, tratamos de dar o que os outros já têm, nem contar a história viva se podemos. As paredes do Oudinot nunca falharam. Espero que acolham a sugestão. Obrigado.

Acolhemos sim, pedimos que os leitores prefiram a visualização no perfil do Engº Danilo Matos (link) e que tenham alguma reacção escrita ou por "like".



UMA QUESTÃO DE CIDADANIA (74)

A CULTURA CEDEU! A CÂMARA TAMBÉM!
O BETÃO GANHOU! A CIDADE PERDEU!

1 Estou a falar das obras em curso no troço final da Ribeira de Santa Luzia, entre as duas pontes, a do Bettencourt e a D. Manuel. Desta vez tudo foi bem entaipado para que ninguém veja. Em Março fui ver a obra, o encarregado de serviço, do outro lado da ribeira, gritava e mandava correr comigo, porque estava a tirar fotografias. O homem, um simples trabalhador africano, chegou educadamente, como a contrariar a ordem do chefe, a pedir para sair, e eu continuei. O confinamento afastou-me do andamento dos trabalhos mas, ontem, já depois da hora de serviço, lá estava.

2 Tudo está a ser executado segundo o projecto que denunciei aqui nesta mesma página da cidadania, nos posts 57, 58, 59, de outubro e novembro de 2018. Este é o terceiro projecto que o governo mandou elaborar, porque o primeiro era uma cópia do que foi feito até a ponte do Til, condenado por toda a cidade como um crime lesa património.

3 Começo por mostrar aos leitores uma antevisão em cima de duas fotos, que pedi a um amigo arquitecto para fazer, que guardo há um ano na esperança que aquilo não fosse executado. Mostrei-a a algumas pessoas. Mas a Câmara cedeu e a DRC também, o Governo, pela mão daquele secretário que só soube pelo telejornal da véspera que ia ser despedido, concretizou.

4 Este troço da Ribeira de Santa Luzia, com 190 metros, estava classificado como Património de Interesse Regional; não podia, em circunstâncias nenhumas, ser destruído. É o que resta de uma herança já quase desaparecida que Reinaldo Oudinot nos deixou. Foi das primeira muralhadas a ser construída, depois da aluvião de 09 de outubro de 1803, sob a direcção pessoal do Mestre, que infelizmente morreu 3 anos depois de cá chegar para uma missão que salvou a cidade. Juntei uma foto actual de um pequeno pormenor da ribeira que vai agora ser tapado.

5 Defendi sempre que pelo menos aquele troço fosse respeitado e pudesse ser perpetuado e transformado numa espécie de Memorial aos milhares de cidadãos da ilha que durante 600 anos foram vítimas das condições adversas onde ousaram construir uma cidade, considerada como a primeira feita por europeus fora da Europa. Isto não é uma falácia, é uma honra, é um orgulho histórico.

6 Resumidamente está a ser escavado o leito natural da ribeira, fixem bem - o leito natural da ribeira, em plena baixa da cidade, uma burrice do tamanho do Pico Ruivo, agravado pelo facto dessa escavação, na profundidade de 3,40m atingir, em quase todo o percurso, a cota média das águas do mar; vamos ter salinidade até ao Bazar do Povo e uma cunha salina que pode ser galgada com as consequências que cientistas, como João Baptista, têm alertado. Gostava de saber o que a Dra. Susana Prada, que tem a seu cargo o ambiente e uma coisa pomposa que se chama alterações climáticas, diz a isto, uma vez que dispensou, aquando do projecto inicial, a avaliação de impacto ambiental que era obrigatória. Mas agora é diferente, senhora secretária, como é diferente o recobrimento a betão até a ponte do Til, que está lá a vista de toda a gente e à espera de uma avaliação ambiental.

7 Esta obra associada à que foi feita na Ribeira de João Gomes até à ponte do mercado - mais a outra asneira da junção das fozes das duas ribeiras - vão provocar uma situação que ninguém quer avaliar. O que vai acontecer é que, dentro de poucos anos, vamos ter novamente duas fozes, cada ribeira com a sua, em pleno casco histórico da cidade. Só que agora longe de uma coisa fundamental que é a dinâmica da ondulação da orla marítima, das marés, dos movimentos de fluxo e refluxo.

Vão passar os finos para dentro da bacia do porto, o resto vai ficar para engrossar as inundações da baixa. Projectos com pressupostos técnicos muito mal aferidos, em minha opinião. A base de avaliação técnica é feita em milhões. Levaram 10 anos para intervir num troço que quase que feito à mão era mais rápido… Mas isso fica para o futuro que não vai ser muito longínquo.

8 Só para terminar chamo a atenção do leitor para a fotografia nº4 com o corte do que está a ser construído, bem a foto nº5 tirada no local, ambas ajudam a perceber a solução. Resumidamente, há uma escavação do leito natural da ribeira em cerca de 3,40m, é construído um “U” em betão armado, com uma laje de fundo com 80 cm, e muros laterias com a mesma de espessura, numa altura livre de 3,80 metros. Como se pode deduzir, dentro do espaço em “U” a largura de vazão da ribeira fica reduzida em média 1,60 metros, em termos de aumento de secção de escoamento pretendido ganha-se muito pouco.

O resto da muralha é suposto manter em pedra. A Câmara deverá decidir se, depois disto, mantém a classificação patrimonial atribuída. Vamos aguardar. Como vamos aguardar a posição da Câmara sobre a ponte pedonal que o governo quer impor, uma tentativa para branquear as asneiras que fizeram, porque não faz sentido nenhum.

9 Depois disto, ponho em dúvida se valerá a pena continuar esta luta, perante tanta arrogância e ignorância.

O crime está feito. A história não perdoa, leve o tempo que levar.
O que se fez às muralhas de pedra e cal das ribeiras da cidade vai ficar na história como um dos maiores crimes patrimoniais cometidos.

Saudações,
Danilo Matos

Santa Cruz, 29 de Maio, 2020
Nota: Créditos fotográficos do Autor

Enviado por Denúncia Anónima
Sexta-feira, 29 de Maio de 2020 18:03